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10 setembro 2013

A vida muda tanto

Querem saber um pouco mais de mim? Podem começar a ler.

Quando me alistei para a tropa e recebi a convocatória com o dia dos testes, agarrei em mim, enfiei-me no supermercado e saí de lá com caixas de Cerelac, snacks cheios de nutrientes para ajudar na massa muscular, bebidas energéticas azuis e cor-de-laranja para beber aquando dos treinos de corrida/flexões/abdominais. Isto tudo porque eu tinha 53kgs e 1,61m(e meio, descalça e encostadinha à parede!), e as tabelas que eles nos davam para podermos fazer os testes, no mínimo, eram de 56kgs para 1,60m. E eu tinha duas semanas para ganhar pelo menos 3kgs, de preferência em massa muscular e não em massa gorda!
Fiz algumas flexões, muitos abdominais e corri mais ainda. Cheguei a convidar amigas para correr, mas passados 10kms tinha que estar meia-hora à espera que chegassem... Enfardei-me em Cerelac e coisas do género.
No 1º dia de testes fez-se a triagem, começam logo por ver quem tem tatuagens e piercings, análises ao sangue para despiste de consumo de drogas, raparigas com menos de 1,56m e rapazes com menos de 1,65m, falta de peso, etc. Só nesse dia foram embora uns 80 e tal. Nos rapazes a grande parte foi por ainda existir vestígios de consumo de drogas no sangue, nas raparigas a coisa dividiu-se entre altura a menos, falta de peso e tatuagens visíveis com a farda vestida.
Quanto a mim, chegaram a pensar que estaria ali enviada pelo centro de emprego e então estava a inventar a minha falta de vista. Chamaram lá um comandante para me ir fazer o teste aos olhinhos numa máquina, porque eu sem óculos via as letras todas, a visão lateral era muito boa e outras coisas mais. Da máquina saiu o papelinho com a minha falta de vista precisa e exacta e eu depois disse que estava ali de livre vontade, candidatei-me e pronto!
Eu ali estava, com 1,61m(e meio), 56,8kgs, sem tatuagens e sem o meu piercing na orelha para não criar mal entendidos.
Passei em todos os testes, com especial distinção nos psicotécnicos e tempos de reacção. Saí dali com destino traçado para snipper e/ou para dar instrução (uma vez que tinha mais do que o 12º ano, tinha entrada directa para sargento).
Quando pensei que só iria entrar na recruta dali a 2 meses, afinal havia outro quartel (mais longe) em que podia entrar dali a 12 dias. Disse logo que queria e a partir daí foi a loucura. Comprar soutiens de desporto sem qualquer tipo de metal, coisas para agarrar o cabelo, meias pretas, coisinhas quentes para poder usar dentro do quartel, etc - era inverno e eu fui logo escolher a EPCA - Escola Prática de Cavalaria de Abrantes.

Tive que desistir, pois tive. Tive problemas, imensos. Não por causa da recruta, que naquele sítio é a mais dura do país, fiquei a saber depois. Foram acontecimentos que sucederam na minha vida, confusões familiares e amorosas... tudo na noite anterior da ida para o quartel. Isso esgotou-me mentalmente. Tanto, mas tanto... que eu ao pequeno almoço, que era todos os dias às 7h, já nem conseguia comer um paposseco com manteiga ou beber um copo de leite. Não conseguia, não me entrava pela boca e as lágrimas corriam-me pela cara. Já não conseguia correr de calções e t-shirt e com sapatilhas 2 números abaixo às 5h da manhã na rua. Nem fazer 3 abdominais seguidos. Estava esgotada mental e fisicamente. Mas nunca por causa da recruta, apesar de ser bastante dura. Ao fim de 2 dias já só haviam 3 pelotões, no início eram 5. No mesmo dia que eu desistiu uma camarada alentejana, ela simplesmente andava com os pés em sangue... por causa das sapatilhas 2 números abaixo e as botas rijas. Ao contrário do que disse a toda a gente, a mim não me aconteceu nada disso! Nenhuma mazela física, apenas não fui forte psicologicamente por tudo o que tinha deixado para trás, por não aguentar não saber como as coisas íam ser dali para a frente. E fui-me embora.
E dali para a frente aconteceu tanta coisa má, que eu acho que devo ter embrulhado tudo em papelão e deitei fora. Porque não penso muito em todas as coisas por que me fizeram passar - principalmente a minha família, pais e avós...
Os meus pais redimiram-se e eu perdoei, apesar de continuar sempre com um pé atrás. Os meus avós nunca me pediram perdão e continuam a ser maus para mim, mesmo nas minhas costas. Portanto deitei-os fora do meu coração também. Nunca mais lhes falei, nunca mais os vi.

Cheguei a olhar para trás e arrepender-me de ter desistido. Cheguei a dizer que se ficasse sem trabalho concorria novamente, até ter idade para isso. Mas nunca fiquei sem trabalho e agora aqui estou eu em França.

Ah, trouxemos uma caixa de Cerelac de Portugal para matar as saudades. E essa caixa fez-me reviver esta história.

3 comentários:

  1. Adorei conhecer um pouco mais de ti...és uma mulher de armas em toda a aceção da palavra!
    Obrigada pela partilha!
    Beijinhos
    Maria

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  2. gostei de te conhecer melhor, apesar da maneira. é triste termos de que desistir dos sonhos mas tb é triste quem perdemos pelos caminho :S

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  3. oh minha querida...a vida é tão dura...:( Ainda não voltei a ter coragem para escrever...muito trabalho, alguma tristeza embora me considere uma felizarda em muitos aspectos...ainda criei um outro blog, mais anonimo, ando sempre nisso, começo e nunca acabo...

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E vocês, o que acham?!

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